quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

REFORMA POLÍTICA DO ESTADO E DEMOCRATIZAÇÃO

REFORMA POLÍTICA DO ESTADO E DEMOCRATIZAÇÃO
Alexandre de Moraes*

Sumário: 1. Introdução. 2. Democracia e representação política. 3. Crise no sistema representativo. 4. Partidos políticos – o desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar e o total desligamento do parlamentar com seu partido político. 5. Grupos de pressão. 6 Fortalecimento exagerado dos grupos de pressão direta e indireta e enfraquecimento dos partidos políticos. 7. Modos de abordagem e contato entre os grupos de pressão e o governo. Técnicas de persuasão dos grupos de pressão.
8. O termo lobby. 9. Necessidade de regulamentação e controle dos grupos de pressão. 10. Participação popular – plebiscitos/referendos/iniciativa de lei. 11. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO
Trata-se de estudo centrado nas dificuldades da representação política como sustentáculo da Democracia. A partir de uma breve análise sobre as noções democráticas e da representação política, constatar-se-á que a crise da representação popular e da própria organização e funcionamento dos partidos políticos – que não conseguiram evoluir no sentido de servirem como eficazes instrumentos de efetiva representação dos interesses do povo no Parlamento – incentivou o surgimento e fortalecimento de novos caminhos de representação popular no processo decisional do Estado. Dessa forma, paralelamente ao retorno de institutos antigos de democracia semidireta, a vida política estatal vê de forma crescente a participação da própria sociedade civil na tomada de decisões políticas, ora de forma organizada (associações, grupos de pressão, direito de petição), ora de forma desorganizada e efêmera, no exercício do direito de reunião e manifestação (passeatas em defesa de específico objeto)1.
Da democracia meramente representativa passamos à democracia participativa, onde ao lado dos tradicionais partidos políticos, passamos a encontrar a própria sociedade civil tentando concretizar a vontade soberana do povo nas manifestações do Estado2.
Neste estudo, serão feitas breves considerações sobre essa complexa questão, para, a partir do apontamento de alguns problemas existentes, pensarmos em um novo modelo de aprimoramento da representação política no Estado, e, em especial, de aproximação dos partidos políticos com o povo.

2. DEMOCRACIA E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
A defesa de um Estado Democrático pretende, precipuamente, afastar a tendência humana ao autoritarismo e concentração de poder. Como ensina Giuseppe de Vergottini, o Estado autoritário, em breve síntese, caracteriza-se pela concentração no exercício do poder, prescindindo do consenso dos governados e repudiando o sistema de organização liberal, principalmente a separação das funções do poder e as garantias individuais3.
Maurice Duverger, ao analisar a complexidade da conceituação da democracia, nos aponta que "a definição mais simples e mais realista de democracia: regime em que os governantes são escolhidos pelos governados; por intermédio de eleições honestas e livres"4. Destaca Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, de fato, "a Democracia, no plano político, que é a máxima identificação dos governantes e dos governados, implica num estatuto do poder. Um estatuto tal que os governantes sejam a imagem dos governados", para a seguir concluir que "a Democracia, como Proteu, muda freqüentemente de aparência. Quem tentar examiná-la no pormenor na maior parte das vezes ficará desnorteado. Depois de haver consagrado tantos capítulos à Democracia, ei-la que retorna com uma nova roupagem"5.
O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, é proclamado no caput do artigo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição", para mais adiante, em seu artigo 14, proclamar que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: plebiscito; referendo; iniciativa popular".
Canotilho e Moreira informam o alcance do princípio democrático, dizendo que: "A articulação das duas dimensões do princípio democrático justifica a sua compreensão como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da economia aponta, no plano constitucional, para um sistema econômico complexo, também a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em conta a sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio democrático recolhe as duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular directa, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática etc.)"6.
Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir-se o respeito à soberania popular, no sentido que lhe empresta Marcello Caetano, para quem a soberania consiste em "um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos"7.
Podemos citar, a título exemplificativo, várias Constituições estrangeiras que expressam o necessário exercício da soberania popular na condução dos negócios políticos do Estado:
- Artigo 48, item 1, da Constituição da República Portuguesa – Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
- Artigo 49 da Constituição da República Portuguesa – Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral. O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico.
- Artigo 108 da Constituição da República Portuguesa – O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição.
- Artigo 109 da Constituição da República Portuguesa – A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos públicos.
- Artigo 48 da Constituição da Itália – São eleitores todos os cidadãos, homens e mulheres, que atingirem a maioridade. O voto é pessoal e igual, livre e secreto. O seu exercício é dever cívico. O direito de voto não pode ser limitado, exceto por incapacidade civil ou por efeito de sentença penal irrevogável ou nos casos de indignidade moral, indicados pela lei.
- Artigo 20 da Lei Fundamental Alemã – Todo o poder estatal emana do povo. É exercido pelo povo por meio de eleições e votações e através de órgãos especiais dos poderes legislativo, executivo e judiciário.
- Artigo 134 da Constituição da República de Cuba – Em toda eleição e nos referendos, o voto é livre, igual e secreto. Cada eleitor tem direito a um só voto.
- Artigo 23 da Constituição espanhola – Os cidadãos têm o direito a participar dos assuntos públicos diretamente ou por meio de seus representantes, livremente eleitos em eleições periódicas por sufrágio universal.
- Artigo 68 da Constituição espanhola – O Congresso se compõe de um mínimo de 300 e um máximo de 400 Deputados, eleitos por sufrágio universal, livre, igual, direto e secreto, nos termos estabelecidos na lei.
- Artigo 43 da Constituição da Confederação Suíça – Qualquer cidadão de um cantão é cidadão suíço. A este título, pode tomar parte, no lugar do seu domicílio, em todas as eleições e votações em matéria federal, após ter devidamente justificado a sua qualidade de eleitor.
- Artigo 37 da Constituição da Nação Argentina – Esta Constituição garante o pleno exercício dos direitos políticos, com respeito ao princípio da soberania popular e das leis que edite em conseqüência. O sufrágio é universal, igual, secreto e obrigatório. A igualdade real de oportunidades entre homens e mulheres para o acesso a cargos eletivos e partidários se garantirá por ações positivas na regulamentação dos partidos políticos e em seu regime eleitoral.
Como é possível verificar, a partir do Direito Constitucional comparado, modernamente a soberania popular é exercida em regra por meio da democracia representativa, sem contudo descuidar-se da democracia participativa, uma vez que são vários os mecanismos de participação mais intensa do cidadão nas decisões governamentais (plebiscito, referendo, iniciativa popular), bem como são consagrados mecanismos que favorecem a existência de vários grupos de pressão (direito de reunião, direito de associação, direito de petição, direito de sindicalização)8.
Carl J. Friedrich define a representação política como "o processo por meio do qual a influência de toda a cidadania, ou parte dela, sobre a ação governamental, se exerce, com sua aprovação expressa e em seu nome, por um pequeno número de pessoas, com efeitos obrigatórios para os representados"9.
Ressalte-se, porém, que a representação política não deve ser meramente teórica, pois uma democracia autêntica e real exige efetiva participação popular nas decisões governamentais, e, em especial, na escolha de seus representantes. Mister se faz a adequação de mecanismos que ampliem a eficácia da representatividade, sejam preventivos, a partir de um maior interesse do cidadão nas eleições, sejam repressivos, por meio de práticas de democracia semidireta, pois, como adverte Dalmo Dallari, a crise da democracia representativa pode gerar regimes autoritários, pois, "se o povo não tem participação direta nas decisões políticas e se, além disso, não se interessa pela escolha dos que irão decidir em seu nome, isso parece significar que o povo não deseja viver em regime democrático, preferindo submeter-se ao governo de um grupo que atinja os postos políticos por outros meios que não as eleições"10.

3. CRISE NO SISTEMA REPRESENTATIVO
Diferentemente do Estado Liberal, onde o Poder Legislativo, como detentor da vontade geral do povo, predominava dentre os demais poderes, a partir do Estado Social, o Poder Executivo vem assumindo, cada vez mais, o papel de grande empreendedor das políticas governamentais, relegando a um segundo plano o Parlamento e, consequentemente, os partidos políticos, e fazendo surgir, com mais força e vitalidade, por absoluta necessidade, outros atores da competição política. Assim, a idéia básica do Estado Liberal, onde a crença da soberania popular e da representação política permaneciam intocáveis, como instrumentos infalíveis da participação da sociedade no poder, foi afastada pela chegada do Estado Social, como bem salientado por Fábio Konder Comparato, demonstrando claramente que, diante das grandes transformações socioeconômicas, os representantes do povo muito pouco decidem, e os que decidem, carecem de grande representatividade política11.
O problema central da representação política, portanto, acaba por consistir na impossibilidade de aferir-se a compatibilidade entre a vontade popular e a vontade expressa pela maioria parlamentar12.
Dentre outras importantes causas, poder-se-iam apontar três primordiais para esse distanciamento entre representantes e representados: o desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar, o total desligamento do parlamentar com seu partido político e a ausência de regulamentação na atuação dos grupos de pressão perante o Parlamento.
A crise representativa demonstra uma maior necessidade de reaproximação do povo com o governo, ou seja, dos representados com os representantes13.
A reaproximação do povo com o governo traz novamente à tona o combate entre as idéias de representante-delegado e representante-fiduciário. A primeira idéia consiste no mandato imperativo defendido por Rosseau, que aponta que "a soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode ser alheada. Consiste essencialmente na vontade geral, e esta vontade não se representa. É a mesma ou é outra, e nisto não há termo médio. Os deputados do povo não são, pois, nem podem ser, seus representantes, são simplesmente seus comissários que não estão aptos a concluir definitivamente. Toda lei que o povo pessoalmente não retificou é nula e não é uma lei. O povo inglês pensa ser livre e engana-se. Não o é senão durante a eleição dos membros do Parlamento. Uma vez estes eleitos, torna-se escravo e nada mais é. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que dela faz bem merece que a perca"14. A segunda consiste na idéia de mera representação, com características bem definidas, como ressaltada por Norberto Bobbio, para quem "as democracias representativas que conhecemos são democracias nas quais, por representante, entende-se uma pessoa que tem duas características bem estabelecidas: a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral, uma vez eleito não é mais responsável perante os próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável; b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocado a tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares desta ou daquela categoria"15.
Nesse sentido, Dalmo Dallari afirma que "é indispensável que se queira, efetivamente, melhorar o sistema representativo. Como é evidente, a manutenção de falhas e dos vícios aumenta o descrédito dos corpos representativos e o conseqüente desinteresse popular pelas eleições"16.
A crise no sistema representativo faz com que haja o crescimento das reivindicações pela desburocratização das práticas e das organizações da representação política, para que os processos decisórios tendam a uma maior informalidade e participação da vontade geral. Paralelamente a essa crise das instituições políticas, desenvolve-se uma grave e séria crise das formas de trabalho, da organização econômica, das relações dos vários setores do capital, do sistema empresarial, do sistema sindical, do papel do Estado no sistema produtivo. Essas idéias somadas acabam por desaguar, inexoravelmente, na crise dos partidos, do engrandecimento dos movimentos sociais e no neocorporativismo.
A crise partidária caracteriza-se, basicamente, pela incapacidade dos partidos de filtrar as demandas e reclamos sociais e transformá-los em decisões políticas. Conforme já ressaltado, a crescente presença do Estado na ordem econômica e o crescimento da burocracia estatal terminaram por fazer dos partidos meros indicadores de burocratas para a ocupação de cargos de relevância e não mais verdadeiros defensores dos ideais populares pelos quais seus representantes foram eleitos.
Dessa forma, o partido político deixa de constituir-se no único, e talvez deixe também de constituir-se no mais importante, coletor das aspirações populares e direcionador das decisões políticas do Estado17.
Em virtude disso, Carl J. Friedrich, após analisar inúmeras formas de representação política, aponta seus diversos problemas e conclui pela necessidade de uma reformulação da idéia de fundar a democracia na representação política territorial – representantes/representados – entendendo necessária uma maior participação popular, por meio de grupos de pressão18.
A partir do declínio do sistema representativo político, surgem diversos grupos de participação política que, juntamente com os partidos políticos, tornam-se importantes atores da competição, pois, como lembra Mônica Caggiano, "o que se busca hoje, na realidade, é a identificação máxima entre sujeitos e titulares do poder, porquanto nos moldes democráticos deve restar assegurado aos próprios governados o exercício do poder político"19.
A ausência de correspondência da democracia meramente representativa aos anseios populares, portanto, abriu caminho para a democracia participativa, onde os grupos de pressão surgem para exigir seu espaço no cenário do exercício do poder político.
Na democracia participativa, é inevitável a idéia de existência de grupos de pressão que passam a dividir com os partidos políticos a participação no processo decisional. Essa maior participação eleva os custos da democracia, por provocar a politização dos diversos segmentos sociais, porém diminui os riscos externos da decisão ser afastada por ausência de legitimidade popular.
Portanto, a partir da crise enfrentada pelo sistema representativo, bem como pela acentuada substituição do Estado Liberal pelo Estado Social, deixa o partido político de ser o único ator nas decisões governamentais, passando a atuar paralelamente com as associações gerais, as associações especificamente com finalidades políticas lobbies, os grupos institucionais (sindicatos), os grupos anônimos e a própria imprensa. A par desse ingresso da democracia participativa na tomada de decisões governamentais, valorizam-se os instrumentos de participação mais direta do povo nas decisões políticas, revitalizando-se os institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei.
Essa constatação é confirmada por F. Badia, ao lembrar que "já há algum tempo, os cientistas da política vêm dispensando atenção, cada vez com maior freqüência e com um maior conhecimento do assunto, à influência que as forças econômicas, sociais e espirituais organizadas vêm exercendo sobre todos os regimes políticos, na sua atividade legislativa e governamental, mas em especial sobre os regimes de democracia pluralista. Em anos recentes, houve uma proliferação de estudos sobre essa questão, em particular nos países anglo-saxônicos e na França", para concluir que "a cada ambiente histórico, cultural, econômico e social ou institucional, correspondem segundo Sartori grupos de pressão que, em um certo sentido, serão únicos, isto é, corresponderão aos sistemas em que operam"20.
Essa evolução coordenada pela necessidade histórica de maior proximidade e participação popular na tomada das decisões políticas, torna necessário o estudo dos principais atores políticos na democracia participativa, quais sejam, os partidos políticos e os diversos grupos de pressão (associações, reuniões, lobbies, sindicatos); além do que, torna-se imprescindível a análise da nova atuação popular por meio dos mecanismos de democracia semidireta e uma reformulação do mecanismo de atuação partidário.

4. PARTIDOS POLÍTICOS – O DESVIRTUAMENTO DA PROPORCIONALIDADE PARLAMENTAR E O TOTAL DESLIGAMENTO DO PARLAMENTAR COM
SEU PARTIDO POLÍTICO
A Constituição Federal regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito, afirmando a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os preceitos de caráter nacional; proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar de acordo com a lei21.
A Carta Magna assegura aos partidos políticos autonomia22 para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias, sendo vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.
Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral e terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.
A necessidade de organização de partidos políticos surge com a perspectiva de racionalização do poder, que, conforme salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é "segundo Mirkine-Guétzévich, o pai da expressão, um esforço para enfermer dans le réseau du droit écrit l’ensemble de la vie politique", concluindo que foi ela, inicialmente, "uma tentativa de suprir, por meio de regras jurídicas, a ausência das condições necessárias ao desenvolvimento da Democracia" 23.
Os partidos políticos são instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito24, devendo o ordenamento jurídico consagrar plena liberdade de criação, organização, funcionamento e extinção25.
Porém, a crise do sistema representativo encontra-se umbilicalmente ligada à crise dos partidos, pois, conforme salienta Miguel Reale Júnior, "enquanto na Europa vive-se a crise da democracia dos partidos, partidos de massa que se revelam incapazes de satisfatoriamente aglutinar os segmentos sociais, de se fazerem intérpretes das aspirações concretas, veículos impróprios para efetiva participação política, no Brasil é mister iniciar a obra da ligação entre a Sociedade Civil e o Estado pelo fortalecimento dos partidos políticos"26.
A democracia de partidos, portanto, apresenta diversos problemas que devem ser solucionados e adequados aos novos métodos políticos, desde a própria existência de democracia interna, até a própria imposição majoritária de suas idéias em respeito aos direitos da minoria27.
Como exemplo de adequação, podemos citar o artigo 114 da Constituição da República Portuguesa, ao prever que "os partidos políticos participam nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de acordo com a sua representatividade eleitoral, reconhecendo às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei".
A título exemplificativo, entendemos importante citar algumas previsões constitucionais sobre partidos políticos do Direito Comparado:
- Artigo 51 da Constituição da República Portuguesa – A liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político (...). Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.
- Artigo 49 da Constituição da Itália – Todos os cidadãos têm direito de se associar livremente a partidos para concorrerem, com método democrático, na determinação da política nacional.
- Artigo 21 da Lei Fundamental Alemã – Os partidos colaboram na formação da vontade política do povo. A fundação é livre. A sua organização interna tem de corresponder aos princípios democráticos. Eles têm de prestar contas publicamente sobre a origem e a aplicação de seus recursos, bem como sobre seu patrimônio.
- Artigo 38 da Constituição da Nação Argentina – Os partidos políticos são instituições fundamentais do sistema democrático. Sua criação e o exercício de suas atividades são livres dentro do respeito a esta Constituição, que garante sua organização e funcionamento das minorias, a competência para a postulação de candidatos a cargos públicos eletivos, o acesso a informação pública e a difusão de suas idéias.
Os partidos políticos e o próprio jogo democrático, portanto, como instrumentos de formação e expressão da vontade política popular, devem sofrer alguns aprimoramentos, sempre com a finalidade já ressaltada de aproximação da vontade do povo àquela expressa pelo Parlamento.
Esse aprimoramento inicial deve surgir em relação às regras de participação partidária e acesso à disputa de cargos eletivos, uma vez que nossa Constituição Federal somente permite a elegibilidade por meio de filiação partidária28.
A reforma política do Estado necessita, pois, de uma maior democratização dos quadros partidários, possibilitando o acesso e disputa igualitários a todos aqueles que pretendam disputar cargos eletivos.
Dalmo Dallari reforça os defensores da necessidade de uma reforma política urgente, acrescentando que "o interesse popular só virá com a melhoria do sistema de escolha dos representantes. E para que isso ocorra é indispensável um debate amplo e sem condicionamentos prévios, para que da própria realidade brotem soluções, de nada adiantando a fixação teórica e artificial de preceitos e diretrizes, muito bons em tese mas completamente desligados da realidade".29
Maurice Duverger nos aponta alguns problemas relacionados à democracia de partidos, afirmando que "a estrutura interna dos partidos pode modificar, muito profundamente, esse estado de coisas. Os partidos de quadros, que não têm base financeira sólida e vivem em perpétuas dificuldades de dinheiro, são sempre sensíveis aos candidatos que custeiam os gastos da campanha: oficialmente, o partido escolhe o candidato; praticamente, a investidura se obtém sem grandes dificuldades (...). O grau de centralização do partido exerce, igualmente, influência sobre a liberdade das candidaturas. Em partidos descentralizados, os candidatos são escolhidos no escalão local, por diretórios que sofrem facilmente a influência das personalidades da terra; nos partidos centralizados, em que a direção nacional aprova as candidaturas, a investidura partidária se obtém menos facilmente"30.
Essa maior democracia interna nos partidos políticos evitaria a indesejada proliferação partidária31, com a criação de inúmeros partidos sem qualquer mensagem ideológica ou social, simplesmente como "meras legendas de aluguel", que ao invés de fortalecerem a democracia acabam por fragilizá-la e ridicularizá-la perante o eleitorado.
Essa fragilização da democracia, em virtude da proliferação partidária, também é salientada por Dalmo Dallari, ao verificar o pressuposto de que "cada partido político representa um diferente ponto de vista quanto a aspectos básicos da organização social ou quanto à orientação política do Estado", e, logo após, concluir que "é inútil do ponto de vista político, e sem qualquer autenticidade, um sistema de partidos que, além de não serem veículos de idéias e aspirações, são muito semelhantes entre si e não têm qualquer interferência nas modificações da estrutura social e muito menos na composição e orientação do Governo".32
Concordarmos, pois, com a crítica feita por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em relação à multiplicação infinita dos partidos, ao expor que as democracias "não pretendem contudo estimular a multiplicação infinita dos pequenos partidos. Ao mesmo tempo em que deixam a porta aberta à formação de novos partidos correspondendo a novas idéias, a novas necessidades, tentam impedir a constituição de pequenas facções, de pequenos grupos inexpressivos, mas, por vezes, perigosos. De fato, tais grupos são mais facilmente corrompidos pelo dinheiro, ou conquistados por uma camarilha, do que defluem interferências indevidas no processo de formação da vontade geral. Em si mesma, a multiplicidade dos partidos é um obstáculo ao funcionamento do regime parlamentar, pois, se nenhum dos partidos tem a maioria absoluta, os governos são necessariamente de coalizão e, em conseqüência, quase tíbios e instáveis"33.
Equacionados esses problemas de organização partidária, retorna-se à idéia da necessidade de equacionamento de três básicos problemas da democracia representativa: o desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar, o total desligamento do parlamentar com seu partido político e a ausência de regulamentação na atuação dos grupos de pressão perante o Parlamento.
A representação proporcional parlamentar pretende assegurar a cada partido político uma representação no Parlamento correspondente à sua força numérica na Sociedade, de maneira a refletir-se no Poder Legislativo, da maneira mais transparente e próxima possíveis, as diversas ideologias presentes na comunidade34.
Esse critério, porém, sofre no Direito brasileiro um grave desvirtuamento, pois a Constituição Federal determina a realização dos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma das unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta deputados na Câmara dos Deputados, o que acaba por perpetuar a existência de graves distorções em relação à citada proporcionalidade, favorecendo Estados-membros com menor densidade demográfica em prejuízo dos mais populosos, e acabando por contradizer regra democrática básica da igualdade do voto – one man one vote.
Obviamente, não se poderia pensar em reforma política do Estado sem o equilíbrio dessa grave distorção democrática, que acaba por distanciar a vontade expressa pelo Parlamento da vontade da maioria popular.
O total desligamento do parlamentar com seu partido político após a eleição é outro grave problema da democracia representativa, que acaba por distanciar a vontade popular da expressão parlamentar35.
Aprimorando-se a democratização interna dos partidos políticos, bem como a proporcionalidade representativa, haveria a possibilidade de introduzir-se no sistema político brasileiro algumas normas de fidelidade partidária36.
Note-se que a realização das duas primeiras medidas parece-nos condição essencial para a introdução dessas últimas regras, sob pena da introdução de uma ditadura de partidos políticos.
Dessa forma, inicialmente, não nos parece saudável à democracia a introdução da absoluta fidelidade partidária, inclusive com a perda do mandato político em razão de voto parlamentar contrário à indicação do partido ou mesmo pela troca de partido político, pois isso poderia levar a um policiamento totalitário e arbitrário em relação à consciência parlamentar.
Não podemos deixar de ter em mente a advertência feita por Marcel Waline, quando aponta o perigo da doutrina absoluta de um partido político, afirmando que nessas hipóteses "a doutrina do partido se eleva, então, ao nível de uma Weltaschaunng , isto é, de uma filosofia do mundo. Ela tem resposta para tudo. Mas, tenhamos precaução: desse fato só, que faz sua força, um partido dominado por uma doutrina tão larga, abrangendo todas as ordens de idéias, torna-se quase necessariamente um partido totalitário. Se ele triunfa e conquista o poder, o que é o objetivo de todo partido, vai pretender impor a todos os governados sua própria Weltaschaunng. Assim, o partido que realiza plenamente sua definição e vocação, aquele que é absolutamente e cem por cento um partido, tende irresistivelmente, e pela força de uma lógica interna, à intolerância e ao totalitarismo"37.
Porém, se a ameaça de uma ditadura de partidos políticos deve ser afastada, outras regras não tão extremadas poderiam ser adotadas, para que a representação popular no Parlamento configurasse mais fielmente o voto conferido nas urnas.
Regras, por exemplo, como de adoção de uma espécie de quarentena política para o parlamentar que, eleito por um determinado partido político – utilizando-se pois de seu coeficiente partidário –, muda-se de partido sem justificativa plausível. Nessas hipóteses, o deputado ficaria inelegível por determinado tempo. Note-se que ao parlamentar deve sempre ser dado o direito de defesa, pois uma justificativa plausível para a troca partidária não poderia prejudicá-lo. Ou ainda, a impossibilidade de assunção do cargo de parlamentar ao suplente que antes de sua posse já mudara de partido, demonstrando, assim, total desligamento com as idéias partidárias que colocaram-no como suplente.38
Interessante, também, seria a introdução de mecanismos constitucionais semelhantes ao recall norte-americano, concedendo-se ao eleitorado legitimidade para a propositura de procedimento de perda do mandato eletivo do representante cuja atuação parlamentar tenha violado os preceitos constitucionais e legais39.
Por fim, a ausência de regulamentação na atuação dos grupos de pressão perante o Parlamento e outros órgão do Governo representa tão grave perigo à democracia representativa e aos partidos políticos que será tratado em tópico autônomo.

5. GRUPOS DE PRESSÃO
A ação dos grupos sobre o processo político, conforme salienta Murillo Aragão, não é um fato recente na história da humanidade, pois os sistemas políticos da antigüidade já o conheciam. Citando Karl Deutsch, o autor relembra que os antigos reinos nos vales dos rios da Índia, Mesopotâmia e Egito permitiram dois grupos de pressão: guerreiros e sacerdotes; os guerreiros pretendiam tornar-se nobres e os sacerdotes aspiravam ser proprietários de terras40.
Seria um erro evidente considerarmos o fenômeno dos grupos de pressão como sendo privativo do século XX, pois o século XIX oferece exemplos relevantes de pressões. O que acontece é que, no seio do Welfare State aumentou enormemente a esfera de competência dos poderes públicos, que traz consigo a natural conseqüência da progressiva dependência dos governados e de seus interesses no processo decisório político. Daí o aumento, em progressão aritmética em alguns casos, em outros geométrica, do número de grupos de pressão que tentam defender – influindo – os seus interesses perante o Estado ou através do Estado. Inevitáveis nos países onde a organização da vida política não é adequada para o pluralismo social, onde não há partidos políticos ou associações que cumpram uma função análoga à dos partidos políticos.
Como salientado por Ferdinand Lassalle, "os fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são"41. A seguir o autor indica vários fatores reais do poder: monarquia, aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros, a pequena burguesia e a classe operária. Por fim afirma que: "Essa é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação".
Ocorre, entretanto, que esses fatores reais de poder, ao perceberem a ineficiente representatividade popular dos partidos políticos e, conseqüentemente, dos parlamentares, acabam por organizarem-se em grupos de pressão.
Conforme verifica-se historicamente, a atuação organizada de grupos de pressão sobre o Poder Legislativo no Brasil é comprovada desde o século passado, pois como salientado por Mário Augusto Santos, ao exemplificar os grupos de pressão, a Associação Comercial da Bahia, entidade fundada em 1811, atuou em defesa de diversos interesses de seus associados perante o Congresso Nacional durante a Primeira República42.
J. Meynaud define os grupos de interesses como sendo "todo grupo de interesse ou de promoção que utiliza a intervenção perante o governo – independente de que seja a título exclusivo, principal ou ocasional – para alcançar a satisfação de suas reivindicações ou a afirmação das suas pretensões".
Para Sartori, a expressão grupos de pressão é suficientemente exata para saber quais os grupos que devem ser abrangidos por ela: "aqueles que têm condições de exercer pressão em um sentido bastante específico do termo". O próprio Sartori afirma que a cada ambiente histórico, cultural, econômico e social ou institucional correspondem grupos de pressão que, em um certo sentido, serão únicos, isto é, corresponderão aos sistemas em que operam.
Sartori aponta que os cientistas políticos anglo-saxões utilizavam o termo pressure groups e os franceses groupes d’interêt. Atualmente, os autores franceses normalmente utilizam a expressão groupes de pression, os anglo-saxões se utilizam tanto da expressão pressure groups quanto da interest groups, inclinando-se para a denominação de grupos de pressão, por ser a expressão grupo de interesse demasiadamente vaga43.
Hugo Natale, por sua vez, argumenta que "a preponderância dos grupos de pressão e de poder constitui uma herança das intrigas de palácio"44.
Na doutrina nacional, importante salientarmos a conceituação de Paulo Bonavides e Fábio Nusdeo. Para o primeiro, grupo de pressão se define pelo exercício de influência sobre o poder político, para eventual obtenção de uma determinada medida do governo que lhe favoreça os interesses45, enquanto para o segundo, grupos de pressão seriam definidos como qualquer conjunto de pessoas ou entidades que procura obter normas, dispositivos e respectivas interpretações, bem como medidas de um modo geral favorável aos seus intentos46.
Relembre-se o discurso do Vice-Presidente Marco Maciel, então Senador da República, pronunciado em 21 de setembro de 1984, no Senado Federal, definindo a origem do termo lobby: "a atuação dos grupos de pressão junto aos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e aos Partidos Políticos é conhecida, como se sabe, segundo a expressão inglesa lobby, significando as antecâmaras ou ante-salas das repartições ou edifícios utilizados originalmente pelos representantes de tais organizações como locais onde desenvolviam, preferencialmente, o exercício de seus trabalhos. Do vocábulo derivaram lobbysts, que designa pessoas que se dedicam àquela atividade e lobbying, que exprime o procedimento dessa atividade"47.

6. FORTALECIMENTO EXAGERADO DOS GRUPOS DE PRESSÃO E ENFRAQUECIMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Impotência e abandono por parte dos partidos políticos (crise na democracia representativa) fazem com que os diversos grupos sociais se dirijam direta ou indiretamente aos governantes, para exigir destes uma determinada posição política ou político-legislativa, ou para opor-se à já adotada, criando-se os denominados "grupos de pressão".
Dessa forma, esses grupos de interesse ou de promoção passam por um crescimento quantitativo e qualitativo surpreendente, pois todo grupo social que se veja prejudicado em seus objetivos corporativos, e abandonado em razão do distanciamento de seus representantes no Parlamento, passa a procurar mecanismos, nem sempre legais ou moralmente aceitáveis, para influenciar diretamente as instituições do Estado, ou indiretamente a opinião pública, para que isso reflita nas decisões governamentais. Obviamente, os procedimentos de pressão serão mais ou menos variados, dependendo do tipo de meios de participação na vida pública existentes, da qualificação dos integrantes do grupo de pressão e de sua situação econômico-financeira.
Esse fenômeno tornou-se mais latente porque os recentes e modernos interesses sociais são pouco amoldáveis nas arcaicas estruturas partidárias tradicionais.
Importante salientarmos alguns fatores sociais que contribuem para a crise partidária, tais como, perda de centralidade do conflito entre trabalho e capital; excessiva fragmentação dos interesses sociais; fenômenos das agremiações transitórias; perda da centralidade do circuito governo-parlamento como itinerário das decisões políticas; redução da política econômica à política conjuntural e de manobra monetária, que acabaram por inspirar o surgimento e fortalecimento de diversos grupos de interesse, de promoção e de pressão.
Surgem, nesse contexto, os movimento sociais que congregam vários segmentos heterogêneos da população, passando a constituírem-se em formas de mobilização que ocorrem fora do espaço dos partidos políticos, das associações e dos sindicatos.
Desse modo, ocupam um espaço político próprio, diverso dos tradicionalmente ocupados pelos demais atores da competição política, utilizando-se de antigos e tradicionais direitos constitucionalmente consagrados: direito de reunião, direito de associação, direito de petição e direito de sindicalização.
Importante a observação de F. Badia, para quem "os grupos de interesse e de promoção crescem cada dia mais. Ora, todo grupo de interesse ou de promoção que veja prejudicada a sua razão de ser e seus objetivos por causa de extralimitações do poder público ou da prepotência de outros grupos de sua espécie, e que não ache meios adequados de participação política e social para defender os seus interesses e as suas causas, ver-se-á obrigado a influenciar diretamente sobre as instituições do Estado para salvaguardar seus objetivos próprios ou, então, influenciar indiretamente sobre a opinião pública, tornando-se dessa forma – e circunstancialmente – um grupo de pressão. Os procedimentos de pressão serão mais ou menos variados, dependendo do tipo de maior participação na vida pública existentes"48.
Ressalte-se, porém, que o grande problema dos movimentos sociais reside na ausência de mecanismos internos para aceitação de oposição às idéias da maioria. Essa ausência para reconhecer posições divergentes talvez seja a maior diferença entre os movimentos sociais e a representação política tradicional.
Além disso, as condutas e decisões corporativas estão livres das pressões do processo eleitoral e da responsabilidade institucional das decisões políticas. Os arranjos corporativos implicam numa troca de benefícios entre governo e as elites organizadas corporativamente. Essa compensação de vantagens envolve, de um lado, a prestação de serviços estatais de natureza social; de outro, os créditos, subsídios. Atende-se, com essa troca de benefícios, a duas exigências: legitimação política mediante os serviços públicos e reprodução do capital através da gestão política da economia.
O artigo 51 da Constituição da República Portuguesa, pretendendo equacionar essa falta de transparência na atuação dos diversos grupos de pressão, prevê que "a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político (...). Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros".
No caso dos partidos políticos há possibilidade de fixação da responsabilidade de seus representantes, porém, na democracia participativa existe grande dificuldade em responsabilizar os demais atores da competição, e em especial, os grupos de pressão. Verifica-se, pois, uma ausência de visibilidade. Necessária, portanto, a regulamentação da atuação dos demais atores da competição política, para que a tomada das decisões possa se dar em um quadro de maior visibilidade e transparência.
A ampliação do cenário político aceita a participação de atores invisíveis, ou seja, que acabam tendo influência no processo decisório das grandes questões político-institucionais do país, mas sem se identificar, o que gera a total ausência de responsabilidade. É esse o grande problema dos lobbies, pois são grupos profissionalizados que atuam nos bastidores do poder, sem qualquer regulamentação e sem responsabilidade pelas pressões camufladas que exercem. Esses grupos, apesar de estarem por detrás de diversas decisões políticas, não assumem qualquer responsabilidade por elas, sendo pois, atores invisíveis.
Assim, é evidente, conforme afirma Loewenstein, a diferença que há entre os "detentores do poder, oficiais, legítimos, visíveis exteriormente, e aqueles que de forma não oficial, indireta e freqüentemente extraconstitucional, influenciam e conformam o processo do poder". Os lobbies são detentores de poder de fato, mas não titulares desse poder – trata-se de um poder de fato; são normalmente invisíveis, e, consequentemente, não são passíveis de qualificação como poderes de direito ou titulares do poder político. Não assumem a responsabilidade direta pela decisão.
Os partidos políticos pretendem conquistar e exercer o poder, enquanto os grupos de pressão não tentam isso, pois procuram exercer uma influência sobre os poderes públicos, em benefício próprio, mas não substituí-los.
Note-se que os partidos políticos – para exercer seu mister – devem apelar previamente à totalidade do eleitorado, independentemente da profissão de cada eleitor individual, e as suas filosofias socio-políticas têm, consequentemente, de ser amplas e ao mesmo tempo suficientemente indefinidas para acomodar os interesses de todos. Os grupos de pressão representam interesses homogêneos que tentam exercer uma determinada influência. Os partidos políticos combinam grupos heterogêneos, sendo sua função integradora.
É fundamental, pois, não se confundir os grupos políticos com os grupos de pressão . Os partidos ou qualquer outro tipo de associação política são detentores – o repetimos mais uma vez – de uma visão global da sociedade, portadores de uma forma particular de ver e focalizar a legalidade fundamental estabelecida em função de sua própria perspectiva ideológica.
Diferentemente dos partidos políticos, que são organizações próprias de regimes democráticos ou que querem parecer-se democráticos, os grupos de pressão – em sua acepção mais lata – podem ser encontrados em todos os regimes (socialistas, democratas, totalitários etc.), em todas as épocas.
Os grupos de pressão agem por meio de dupla ação: (1) pressão direta sobre o poder político; (2) pressão indireta sobre a opinião pública.
A pressão indireta é exercida sobre o público e sobre os governantes, sempre atentos à opinião pública. A opinião condiciona o comportamento dos governantes, especialmente nos regimes de democracia pluralista. Todo o poder, independentemente do regime político, leva em consideração a opinião pública. Nesse sentido, o interesse demonstrado pelos grupos de pressão em obter as simpatias da opinião pública, pois, agindo sobre o público, pode-se agir diretamente sobre o poder.
Os grupos de pressão podem ser classificados em:
- grupos de massa – são aqueles baseados no número.
- grupos de quadros – são aqueles baseados não no número, mas sim na qualidade.
- escritórios ou organizações – são os grupos de pressão que se dedicam, profissionalmente, à realização de campanhas públicas.
A pressão pode sofrer variação quando os grupos combinam sua ação direta com uma ação indireta sobre a opinião pública, ou quando se limitam a criar as condições necessárias no meio social para, desse modo, forçarem o titular do poder na direção que melhor atenda a seus próprios interesses49.

7. MODOS DE ABORDAGEM E CONTATO ENTRE OS GRUPOS
DE PRESSÃO E O GOVERNO. TÉCNICAS DE PERSUASÃO
DOS GRUPOS DE PRESSÃO
Os contatos formalizados entre os diversos grupos de pressão e o governo podem assumir duas formas50:
- Contatos oficiais que têm lugar no seio das comissões governamentais.
- Contatos confidenciais e amigáveis. Note-se que esses contatos acabam ocorrendo, apesar da existência de órgãos consultivos oficializados, porque um determinado problema ou pedido não se expõe em público com a mesma liberdade com que é realizado particularmente. Isso acaba por gerar a possibilidade de práticas ilícitas e imorais na Administração Pública.
As técnicas normais e preferencialmente utilizadas pelos grupos de pressão são as da informação, da colaboração, da negociação e do compromisso, e suas correspondentes pressões e sanções sobre a Administração normalmente assumirão a forma da negação de informação e de colaboração ao ministério por parte do lobby. A pressão pode oscilar desde o confusionismo e obstrucionismo até o boicote econômico ou administrativo, além da possibilidade de propaganda nacional e obstrução sistemática.

8. O TERMO LOBBY
O termo lobby é de origem norte-americana e já é empregado em outros países. Em sentido próprio, denota a parte de um prédio que se encontra aberta ao público; trata-se do corredor, vestíbulo e, mais especificamente, os corredores do Parlamento. Em um sentido derivado, nos Estados Unidos da América a palavra lobby passou a ser utilizada para designar a ação de pessoas vindas de fora do Congresso, e que se misturavam aos parlamentares nos corredores do Congresso, posteriormente nos gabinetes e em outros locais, para influenciá-los. A expressão lobby se aplica também aos homens ou grupos que se dedicam a essa atividade, e o verbo lobby é utilizado correntemente para designar as manobras dos lobbysts.
Temos três palavras para essa atividade dos grupos de pressão sobre o Parlamento:
- lobby = grupo que exerce influência sobre qualquer autoridade pública para promover os interesses ou causas dos seus membros;
- lobbying = a atividade exercida, isto é, o lobby na sua atividade, ou seja, todo o esforço para influenciar o Congresso acerca de qualquer assunto, e que chega a ele através da distribuição de material impresso, assistência às sessões das comissões do Congresso, entrevistas ou tentativas com membros do Senado ou da Câmara, ou através de outros meios;
- lobbyst = alguém que, por um pagamento ou outra razão, procura influenciar ou evitar a aprovação de determinada legislação por parte do Congresso Nacional.
Os partidos políticos são outro canal de influência utilizado pelos lobbies ou grupos de pressão para chegar ao centro do poder decisório – depois de terem fracassado na tentativa de alcançar seus objetivos através de pressões sobre o ministério. Os lobbies ou grupos de pressão pretendem dessa forma exercer uma pressão sobre o Governo, mas através do partido ou partidos: essa é uma modalidade da chamada pressão ou influência indireta. O grupo de pressão aponta a natureza substitutiva do recurso ao partido, o que só ocorre quando fracassa a tentativa de negociação através da consulta direta do grupo ao Governo.
A função de intermediação dos grupos de pressão não pode ser cumprida se ele não obtiver grande prestígio, nem sempre de modo legal ou moralmente aceitável, perante os membros do Governo ou do Parlamento; porém, se uma organização deseja ser tratada responsavelmente, deve, por sua vez, agir responsavelmente, sob pena de desvirtuamento do funcionamento dos órgãos estatais, que passariam a colocar o interesse público em segundo plano, para atendimento dos interesses corporativos de cada um dos citados grupos.51

9. NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE
DOS GRUPOS DE PRESSÃO
O aperfeiçoamento da democracia deve buscar a necessária visibilidade na atuação política e a responsabilidade pela influência na tomada de decisões, não somente em relação aos partidos políticos, mas também em relação aos grupos de pressão. A regulamentação seria o conjunto mínimo de interesses comuns, incluindo especialmente interesse comum de buscar o fair play entre os interesses privados e particulares.
Hugo Natale expõe com muita propriedade o fato de que "um grupo ter a pretensão de impor seu interesse privado ao interesse público e geral da sociedade não é uma novidade na história, nem um perigo. O que é uma novidade e importa um grave perigo, é que efetive essa pretensão por meio da utilização de técnicas de domínio e de quebramento" (visibilidade)52.
Existem dispositivos constitucionais e regimentais regulamentando, de modo tímido, a atuação dos grupos de pressão. Assim, prevê a Constituição Federal, além dos tradicionais direitos de reunião, associação, iniciativa popular de lei, as audiências públicas no Congresso Nacional com entidades da sociedade civil (CF, art. 58, § 2°, II); recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas (CF, art. 58,
§ 2°, IV).
A Câmara dos Deputados, igualmente, regulamenta desde 1972 a representação por grupos de interesses, considerando relevante constar no regimento interno mecanismos de representação das entidades sindicais de grau superior, no intuito de receber dessas entidades assessoria técnica e subsídios à tramitação de projeto de lei, conforme relembra Murillo Aragão: "até 1983 praticamente o credenciamento era exclusivo para entidades sindicais de grau superior, tais como confederações ou federações/sindicatos de abrangência nacional (...). A partir de 1984, a Câmara dos Deputados passou a aceitar o credenciamento de entidades associativas mais representativas e, após a Constituição de 1988, adequou o tratamento constitucional ao regimento interno, permitindo o amplo credenciamento de entidades associativas de todo o tipo"53.
Dessa forma, atualmente, prevê o artigo 259 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que, "além dos Ministérios e entidades da administração federal indireta, poderão as entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil credenciar junto à Mesa representantes que possam, eventualmente, prestar esclarecimentos específicos à Câmara, através de suas Comissões, às lideranças e aos Deputados em geral e ao órgão de assessoramento institucional".
Portanto, uma boa maneira de controle sobre os meios utilizados pelos grupos de pressão é a de, uma vez reconhecida a justiça de seus interesses e das suas pretensões particulares, estabelecer meios e instituições através dos quais possam defender seus legítimos interesses e causas, de forma legal e transparente.
Além disso, importante realçarmos novamente que a restruturação dos partidos políticos, a descentralização do poder, a efetividade das formas democráticas semidiretas e a democracia participativa são outros meios de fortalecimento institucional da democracia e da representatividade popular, e, consequentemente, de enfraquecimento sensível dos grupos invisíveis de poder no cenário político.
As atividades dos grupos de pressão no Congresso norte-americano são regulamentadas desde 1946, por meio do Lobby Act de 1946, que os obriga a informar ao Poder Público quanto gastam com suas atividades.

10. PARTICIPAÇÃO POPULAR – PLEBISCITOS/REFERENDOS/INICIATIVA DE LEI
Apontados alguns problemas do sistema representativo e dos partidos políticos, importante é destacar a necessidade de maior utilização dos instrumentos de participação popular nos negócios do Estado54.
A Constituição Federal prevê expressamente que uma das formas de exercício da soberania popular será através da realização direta de consultas populares, através de plebiscitos e referendos (CF, art. 14, caput), disciplinando, ainda, que caberá privativamente ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscitos (CF, art. 49), salvo, por óbvio, quando a própria Constituição expressamente determinar (por exemplo: art. 18, §§ 3° e 4°; art. 2°, Ato Constitucional das Disposições Transitórias).
Em nosso ordenamento jurídico-constitucional, essas duas formas de participação popular nos negócios do Estado divergem, basicamente, em virtude do momento de suas realizações.
Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).
Igualmente, outras e inúmeras Constituições trazem previsões semelhantes. A título meramente exemplificativo, podemos enumerar:
- Artigo 115 da Constituição da República Portuguesa – Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembléia da República ou do Governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei. O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembléia da República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei. O referendo só pode ter por objeto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembléia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
- Artigo 75 da Constituição da Itália – É convocado referendum popular para deliberar sobre a ab-rogação, total ou parcial, de uma lei ou de um ato que tenha valor de lei, quando o solicitarem quinhentos mil eleitores ou cinco Conselhos Regionais. Não é admitido o referendum para as leis tributárias e de balanço, de anistia e de indulto, de autorização para ratificar tratados internacionais. Têm direito de participar do referendum todos os cidadãos chamados a eleger a Câmara dos Deputados. A proposta submetida a referendum será aprovada se participar da votação a maioria dos que têm direito, e se for atingida a maioria dos votos validamente expressos. A lei determina as modalidades de atuação do referendum.
- Artigo 138 da Constituição da Itália – As leis de revisão da Constituição e as outras lei constitucionais são adotadas por parte de cada Câmara, mediante duas deliberações sucessivas com um intervalo não inferior a três meses, e são aprovadas, por maioria absoluta dos membros de cada Câmara, na segunda votação. Essas mesmas leis serão submetidas a referendum popular quando, no prazo de três meses a partir da sua publicação, o solicitar um quinto dos membros de uma Câmara ou quinhentos mil eleitores ou cinco Conselhos Regionais. A lei submetida a referendum não é promulgada, senão depois de aprovada pela maioria dos votos válidos. Não se procede a referendum, se a lei for aprovada na segunda votação por cada uma das Câmaras, por maioria de dois terços dos seus integrantes.
- Artigo 89 da Constituição da Confederação Suíça – As leis federais e as resoluções federais de alcance geral devem ser submetidas à aceitação ou rejeição do povo quando o pedido for feito por 30.000 cidadãos com direito de voto ou por oito cantões. Os tratados internacionais concluídos para prazos indeterminados ou de mais de 15 anos são também sujeitos à aceitação ou rejeição do povo, se o pedido for apresentado por 30.000 cidadãos com direito de voto ou por oito cantões.
- Artigo 39 da Constituição da Nação Argentina – Os cidadãos têm o direito de iniciativa de apresentar projetos de lei à Câmara dos Deputados (...). Não serão objeto de iniciativa popular os projetos referentes a reforma constitucional, tratados internacionais, tributos, pressupostos e matéria penal.
- Artigo 40 da Constituição da Nação Argentina – O Congresso, mediante iniciativa da Câmara dos Deputados, poderá submeter a consulta popular um projeto de lei. A lei de convocação não poderá ser vetada. O voto afirmativo do projeto pelo povo da Nação Argentina o converterá em lei e sua promulgação será automática. O Congresso ou o Presidente da Nação, dentro de suas respectivas competências, poderão convocar a consulta popular não vinculante. Nesse caso, o voto não será obrigatório. O Congresso, mediante o voto da maioria absoluta dos membros de cada Casa, regulamentará as matérias, procedimentos e oportunidades da consulta popular.
Nessa forma de participação popular nos negócios políticos do Estado, importante ressalva é feita por Canotilho, quando ensina que "a teleologia intrínseca dos referendos e plebiscitos constituintes passou a ser diferente quando o plebiscito, além da sua associação a dimensões cesaristas do poder político, se transformou em consulta popular, divorciada de qualquer racionalidade jurídica e não raro violadora dos princípios estruturantes do Estado constitucional. A hipertrofia democrática aliada a uma concepção decisionista do direito explicam o sentido do plebiscito: decisão popular que se sobrepõe a qualquer tipo de racionalidade jurídica"55.
Igualmente, não podemos nos esquecer da lição de Norberto Bobbio sobre o perigo existente na idéia de cidadão total. Assim, ensina que "é evidente que, se por democracia direta se entende literalmente a participação de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes, a proposta é insensata. Que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível. E também não é desejável humanamente, isto é, do ponto de vista do desenvolvimento ético e intelectual da humanidade"56.
Entendemos que um meio termo a ser tentado, principalmente pela democracia brasileira, é a maior utilização dos mecanismos do plebiscito e referendo, previstos no artigo 14 da Constituição Federal e já regulamentados pelo legislador ordinário (Lei n. 9.709, de 18 de novembro de 1998), sem os abusos apontados por Canotilho. Dessa forma, nos assuntos de maior relevância institucional haveria possibilidade de maior participação dos eleitores, de maneira a direcionarem ou ratificarem a atuação do Parlamento57.

11. CONCLUSÕES
A reforma política do Estado obrigatoriamente deve estar centrada na necessidade de maior proximidade da vontade popular com a vontade expressa pelo Parlamento. Para isso, após esta breve análise, apontamos algumas conclusões a serem examinadas para a concretização dessa reforma e, consequentemente, para o aprimoramento e fortalecimento da democracia:
- O problema central da representação política consiste na impossibilidade de aferir-se a compatibilidade entre a vontade popular e a vontade expressa pela maioria parlamentar;
- Três causas primordiais contribuem para esse distanciamento entre representantes e representados: o desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar, o total desligamento do parlamentar com seu partido político e a ausência de regulamentação na atuação dos grupos de pressão perante o Parlamento;
- Há urgente necessidade de desburocratização das práticas e das organizações da representação política, para que os processos decisórios tendam a uma maior informalidade e participação da vontade geral;
- Dinamização na democracia dos partidos, desde a própria existência de democracia interna nessas agremiações, até a própria imposição majoritária de suas idéias, em observância aos direitos da minoria;
- Maior democratização nos quadros partidários, possibilitando acesso e disputa igualitários a todos aqueles que pretendam disputar cargos eletivos;
- A maior democracia interna nos partidos políticos evitaria a indesejada e exagerada proliferação partidária, e acabaria por impedir a criação de inúmeros partidos sem qualquer mensagem ideológica ou social;
- A representação proporcional parlamentar deve ser alterada para assegurar mais fielmente a cada partido político uma representação no Parlamento correspondente à sua força numérica na sociedade, de modo a refletir no Poder Legislativo, da maneira mais transparente e próxima possíveis, as diversas ideologias presentes na comunidade;
- Introdução no sistema político brasileiro de algumas normas de fidelidade partidária, para que a representação popular no Parlamento represente mais fielmente o voto conferido nas urnas;
- Adoção de uma espécie de quarentena política, para que se proíba a mudança partidária do parlamentar eleito por um determinado partido político – utilizando-se pois de seu coeficiente partidário – sem uma justificativa plausível;
- Introdução de mecanismos constitucionais semelhantes ao recall norte-americano;
- Regulamentação na atuação dos grupos de pressão perante o Parlamento e outros órgãos do Governo;
- Edição de uma legislação eleitoral mais rígida que garanta maior transparência no financiamento e atuação dos partidos políticos e dos grupos de pressão;
- Fixação de maior responsabilidade política dos Partidos Políticos;
- Maior utilização dos instrumentos de participação popular nos negócios do Estado.
Apesar das dificuldades do sistema representativo e dos complicadores naturais existentes na dinâmica democrática, não podemos deixar de salientar que permanecem os partidos políticos em posição de extrema relevância no cenário decisional brasileiro, pois como detentores da atividade legiferante, são os únicos que – influenciados ou não por demais grupos de interesses, de promoção e de pressão – efetivamente acabam por tomar decisões definitivas que vinculam toda a sociedade, por meio de leis58 (Princípio da legalidade). Anote-se que a defesa da legalidade é antiga, tendo sido feita por Platão e Aristóteles, sendo que o primeiro afirmou que "de fato, onde a lei está submetida aos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade; onde, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus escravos, vejo a salvação da cidade e a acumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades"59. Tendo o segundo afirmado: "aos governantes é necessária também a lei que fornece prescrições universais, pois melhor é o elemento que não pode estar submetido a paixões que o elemento em que as paixões são conaturais. Ora, a lei não tem paixões, que ao contrário se encontram necessariamente em cada alma humana".60
Dessa forma, os partidos políticos devem ser prestigiados e democratizados na reforma política do Estado, como grandes atores do cenário político nacional, submetendo-se, porém, ao maior controle popular, com a efetiva implementação real e utilização do plebiscito e referendo e com uma maior acessibilidade e democratização interna.
Mesmo porque, nunca é cansativo relembrar, a organização e regulamentação dos partidos políticos e sua participação da democracia representativa permite uma maior alternância do Poder e democratização das decisões, com respeito e voz aos direitos das minorias. Além disso, o controle e responsabilização das decisões políticas dos partidos apresenta-se mais plausível com a necessária transparência e visibilidade do sistema democrático, diferentemente do que ocorre com diversos grupos de pressão que, sob o manto do anonimato e articulações de bastidores, tornam-se atores invisíveis do cenário político, de grande influência, mas totalmente irresponsáveis politicamente.

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